sexta-feira, 27 de junho de 2008

O que é a Pólis?

A "cidade" grega

Definir a essência da pólis é difícil, pois ela ultrapassa uma questão meramente física (de área urbana) para se estabelecer mo próprio ideal do homem grego. Ela relaciona-se com valores partilhados em comum, com o advento da filosofia e da própria democracia (não confundindo com o ideal comtemporâneo de democracia, pois o ideal democrático grego era excludente- mas aí surge a pergunta: será que a nossa democracia também não é excludente?).
A tradução da palavra "pólis" geralmente é dada como "cidade-Estado" ou "cidade", pelo seu caráter autônomo, podendo, porém, possuir um vínculo sentimental com a "pólis-mãe" no caso de ter se originado de um processo de colonização. O espírito da pólis fundamenta-se na idéia de que esta não é o espaço urbano e sim os cidadãos, ou seja, antes de ser tratado como uma entidade política ela era seus cidadãos que, além de desempenharem um papel de participação nas determinadas magistraturas visando o bem comum, defendiam a "cidade-Estado" nas guerras na Hélade, constituindo assim os cidadãos-soldados, advindos da Revolução Hoplítica.
A pólis implica em algo muito maior: era uma comunidade de hábitos, normas e crenças. Entretanto existe uma topografia em comum, dentre elas a existência da ágora, representando o centro da pólis e um poder político notável. O poder da cidade se emana da ágora, local este de exercício da ação humana, que tem como veículo a palavra e permite ao homem que se torne pleno.
Muitos fatores favoreceram o aparecimento da pólis: as crises geradas pelo crescimento populacional, a monopolização das terras pela aristocracia, a exaltação do espírito agonístico no campo das idéias, dentro outros.
A pólis dava primazia à lei, o que se traduz numa aceitação absoluta das mesmas, pois regulamentavam a vida na cidade, que deveria ser contrária à hybris (o exagero, a desmedida). Até o soberano estava submetido ao poder das leis, por isso os cidadãos da pólis diziam se diferenciar (e muito) dos bárbaros, que eram governados pela vontade e lei de um soberano.
Definir a pólis não é uma tarefa simples, pois sobre a explicação de sua origem há um vácuo, mas suas contribuições para as épocas posteriores são de suma importância, dentre elas a construção do conceito de cidadão, que na época tinha o direito de participar e de ter a palavra (excluindo-se estrangeiros, escravos e mulheres).

Um Ser de Ação e Pensamento

Reflexões acerca de "A Condição Humana"

"Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos, mas a ação é a única que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens"
(Hanna Arendt)

A afirmação de Hannah Arendt diz respeito às três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. Essas atividades constituem a chamada "vita activa", sendo que nenhum homem pode libertar-se totalmente dela, e são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos. Cada atividade humana corresponde a uma condição humana e a ação, compreendida como a mais nobre, é a que obrigatoriamente se exerce entre os homens, ou seja, não podemos pensar em uma ação isolada.
É prudente definir essas atividades (e suas respectivas condições), pois elas são básicas na "vita activa". O labor está vinculado ao desenvolvimento biológico do homem (naturalismo radical) e tem como condição humana a vida. No labor o homem retira da natureza tudo que é necessário e é tratado aqui como um animal laborans: ele está lançado num ciclo incessante de "labuta, consumo e regeneração", ciclo este que diz respeito à vida enquanto tal.
O trabalho é a atividade com a qual o homem se relaciona e transforma a natureza, representando um artificialismo. Um mundo de coisas (objetos de uso) é criado entre o homem produtor, fabricador (homo faber) e a natureza, construindo a morada do corpo ao contrário dos bens de consumo ("produtos" do labor). Essa reificação (transfornar a matéria em material) tem como condição humana a mundanidade, pois estamos na Terra e sem mundo não há trabalho. Durabilidade e objetividade: são as características da poiésis (obra), que "fica no mundo, enquando se vai seu criador" e que também pode denunciar a futilidade humana.
A ação (práxis), mais nobre atividade humana é uma espécie de via para a "vita contemplativa" (theoría), é a que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens, pois tem como condição humana a pluralidade. O homem não é um, e sim muitos. A ação humana não necessita da matéria, e nem das coisas, como via e sim de um veículo imaterial: a palavra, esse pensamento articulado que, ao mesmo tempo, torna o homem forte e o torna fraco, dependente e vulnerável.
A ação se exerce diretamente entre os homens, é o exercício das virtudes, a busca do bem e da felicidade e nos mostra a relação íntima entre theoría e práxis (teoria e prática): o agir com sabedoria. A ação é imprevisível e irreversível, fazendo com que o grande sonho humano seja encontrar uma techné (inteligência produtora do trabalho) da práxis. E assim está lançado o animal "socialis" (ou zoon politikon) entre os homens, visando sua perfeição e o bem comum através da ação, que jamais existe no isolamento, muito mais que as outras atividades humanas fundamentais.

A Política dos Antigos

A política clássica tem uma explicação finalista, vinculada á idéia de ergon: "a natureza não faz nada em vão", pois concedeu ao homem o instrumento que o torna um animal político (zoon politikon): o logos. Aos animais foi dada a phoné (voz), para expressar a dor ou o prazer, e ao homem foi dado o logos (razão, palavra, capacidade de representar, de simbolizar), para argumentar. O pensamento de Aristóteles é fundado no teleologismo (finalismo) e, segundo o filósofo, o homem tende a se organizar em torno da pólis e laicizar a palavra (ou seja, torná-la pública), sendo algo impregnado na própria essência humana.
A pólis, ontologicamente falando, é primeira. É anterior às partes naturais (família e aldeia) que a compõem. A idéia de que o homem, e tudo na natureza, possuí uma função é demasiadamente forte no pensamento de Aristóteles (servindo também como argumento para a escravidão). Para Aristóteles, a política é uma "criação espontânea".
A política está na esfera da liberdade, ao contrário da esfera privada e suas relações "homem e mulher" (reprodução) e "homem e escravo" (contradição) que representam a esfera da necessidade, e representa o FIM do homem, sendo que sem ela o homem não realiza plenamente a sua essência e não alcança a (verdadeira) felicidade.

O Princípio da Não-Contradição

AS LEIS DO PENSAMENTO

Aristóteles afirma que cabe ao filósofo enunciar o princípio mais certo de todas as coisas e esse princípio é o "Princípio da Não-Contradição", que enuncia, por sua vez, que o mesmo atributo não pode "pertencer" e "não-pertencer" ao mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob um mesmo aspecto. Esse princípio é formulado para o estudo da natureza de toda substância, ou seja, o princípio mais certo de todos e no qual o engano é impossível. Ele se baseia em que ninguém pode crer que um mesmo ente "seja" e "não-seja". Isso se traduz que não podemos acreditar que uma coisa "é" e "não é" e que todos os demais princípios, inclusive os do pensamento, derivam desse.
Um dos argumentos construídos por Aristóteles em sua obra "Metafísica" refuta a opinião que afirma a possibilidade de algo "ser" e "não ser" ao mesmo tempo e sob um mesmo aspecto (como acreditavam alguns filósofos, vulgarmente chamados por ele de físicos). Para ele, é impossível dar demostração de tudo, mas o Princípio da Não-Contradição é evidente por excelência. As próprias leis do pensamento são regidas por ele: basta pedir para que nosso adversário diga algo e, se fizer sentido, ele estará de acordo com o tal princípio. Caso contrário (se não fosse produzido nenhum sentido) ele seria um "mero vegetal".
Fazer sentido é necessário para o entendimento e as palavras devem remeter a um significado específico ou a um número de significados, mas nunca infinitos, pois nesse caso não poderíamos extrair nenhum sentido, não existindo um discurso de fato. "É impossível pensar se não se pensa uma determinada coisa: mas, se isto é impossível, um nome só poderá ser atribuído a essa coisa".
Um ponto importantíssimo a destacar é que é impossível que uma coisa não signifique essa coisa. Por exemplo: é impossível que "ser homem" signifique precisamente "não ser homem" (ao mesmo tempo e sob um mesmo aspecto). Tal impossibilidade tem como conseqüência a produção de sentido, pois a partir do estabelecimento de conceitos sólidos obteremos frases e enunciados que signifiquem, necessariamente, somente uma coisa.

Mafalda

Jacques-Louis David, A morte de Sócrates



Jacques-Louis David, A morte de Sócrates, 1787, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

A questão "FILOSOFIA"


Fichamento – Capítulos 1 e 2
Livro:
STRAWSON, Peter F. Análise e Metafísica: Uma Introdução à Filosofia [trad. Armando Mora de Oliveira]. São Paulo: Discurso Editorial, 2002.

“'Filosofia', essa grande palavra, não quis dizer, em todas as épocas, sempre a mesma coisa. Mesmo hoje não significa o mesmo para todas as pessoas. Esse ponto pode ser analisado de várias formas”. (p.13)

Capítulo 1- Filosofia Analítica: Duas Analogias

Strawson tem como objetivo em sua obra “Análise e Metafísica” a tentativa de explicação do conceito geral de filosofia, bem como uma introdução à filosofia. Isso constitui uma base para qualquer estudante ou pesquisador de filosofia: esclarecer-se acerca desse conceito que se divide em inúmeros problemas, que hora se interligam, possibilitando um traçado entre essas várias divisões.
Na busca por esse conceito as concepções de filosofia se opõem na medida em que ela se entrelaçou com a idéia de “filosofia natural” e, conseqüentemente, com a idéia de “ciência natural”, sendo inimiga de outras linguagens que descrevem a realidade ou ao menos tentam explicá-la, como o mito, a fantasia e a imaginação poética. Por essa visão, a filosofia promoveria uma desilusão acerca do mundo. Contrapondo-se a essa visão existe aquela que diz que a filosofia é uma reflexão racional e eloqüente sobre a natureza moral do homem, aliviando, fortificando e elevando o espírito. Isso se traduz numa reflexão mais ou menos sistemática, segundo Strawson, sobre a situação humana, encontradas nas obras de filósofos como Heidegger, Sartre e Nietzsche1, levando a uma nova perspectiva sobre a vida e a experiência humanas.
Para Strawson, o filósofo analítico não promove esse gênero de visão nova e reveladora e possuí um outro objetivo, marcando assim uma diferença na concepção de filosofia, tanto sob uma visão de teoria quanto de prática. A filosofia analítica comumente era chamada de uma filosofia de análise de textos, um discurso sobre o texto filosófico, visando (ou não) uma atualização, isto é, trabalha com e idéias ou conceitos, uma análise conceitual, a demolição ou decomposição intelectual.
Nesse ato de desmontar intelectualmente as idéias ou conceitos, para montar um suposto mapa conceitual, muitas vezes nos perdemos em meio a essa complexidade, ficando apenas com uma representação abstrata desses conceitos e suas relações, uma desordem conceitual. Daí a imagem do filósofo analítico como uma espécie de terapeuta, que busca curar os desarranjos mentais, substituindo a explicação pela descrição. “Não oferece uma doutrina, uma teoria; é sobretudo o portador de uma técnica” (p.15).
O papel do filósofo analítico, segundo essa analogia com uma disciplina curativa ou terapia, é endireitar o nosso pensamento, ordenando o mesmo sob uma forma rigorosa, em busca de uma libertação das confusões conceituais obsessivas. Segundo Wittgenstein “O tratamento de uma questão pelo filósofo é como o tratamento de uma doença” (p.16). Entretanto um outro problema se apresenta.
O que ocorre é que o homem se defronta com os problemas filosóficos quando desliga o conceito ou a palavra do seu uso corrente, de sua significação comum. E isso arrasta-o para o paradoxo. Assim, por um momento, a analogia com a terapia é deixada de lado e Strawson parte para uma analogia com a gramática.
Nesse caso, ser capaz de fazer alguma coisa (especificamente o falar gramaticalmente) é muito diferente de ser capaz de dizer como é que é feito aquilo que fazemos; o primeiro não implica o segundo, ou seja, o domínio de uma prática (o emprego de conceitos, por exemplo) não implica no domínio explícito (mas talvez implícito) da teoria dessa prática. Seguindo a analogia com a gramática, podemos dizer que houve um domínio implícito das gramáticas muito antes de qualquer gramática representativa e escrita fosse criada. Os seres humanos não devem possuir um domínio implícito restrito à gramática, mas também de conceitos, pois, em nossas relações cotidianas nós empregamos um número assustador de conceitos e aprendemos os mesmos pelo seu uso prático e não pelo aprendizado da teoria do seu emprego. Aprendemos a manejar as palavras sem nos envolver com os problemas que decorrem das mesmas, como a questão do “ser”, por exemplo. O próprio aprendizado se segue a partir de exemplos, pois não não aprendemos de imediato analisando somente a teoria.
Seguindo por essa linha, da mesma forma que “o gramático se esforça para produzir uma análise sistemática da estrutura das regras que seguimos sem esforço ao falar gramaticalmente, também o filósofo se esforça para produzir uma análise sistemática da estrutura conceitual geral cujo domínio tácito e inconsciente é mostrado na prática cotidiana” (p.21). Nós dominamos uma prática, mas não a teoria: o filósofo tem como papel jogar uma “luz” para que possamos dizer o que essas regras são na verdade. E assim nos livraríamos de estar diante de coisas tão desajeitadas, ordenando-as e possuindo uma idéia melhor acerca dos seus méritos e limitações.
A analogia gramatical sugere uma explicitação, uma explicação, uma compreensão teórica. Já a analogia terapêutica, possuí um aspecto negativo, pois consistiria em “reunir lembretes” para libertar-nos de confusões, mas somente quando vivenciamos tais confusões. Como terapeuta, o filósofo somente explicaria a origem das confusões, o que é errôneo.
A filosofia analítica usa a instrução explícita, se ocupa com a estrutura do nosso pensamento, visando uma compreensão conceitual que habilita a operar efetivamente no interior de uma disciplina, dentro dos limites da própria disciplina. Aplicando de uma forma geral, trabalha com princípios que não são específicos de uma determinada prática e visa a busca pelo seu entendimento.

Capítulo 2 – Redução ou Conexão? Conceitos Básicos

Strawson inicia o segundo capítulo com a seguinte pergunta: “Quais são as formas básicas que uma teoria analítica sistemática pode assumir?” (p.33). Ele regressa, assim, à palavra “análise”, que em geral significa redução do que é complexo para elementos; e também a exibição das relações entre os elementos dentro do complexo. Aplicando esse método na análise de idéias, poderíamos dizer que há uma tentativa aí de reduzir a complexidade conceitual interna e encontrar idéias simples, organizadas por um tipo de construção lógica ou conceitual de elementos simples. Isso era feito de modo exaustivo, onde o fim era a obtenção de uma idéia clara (e reduzida) dos significados complexos.
A preocupação que o autor exalta é a ilusão de que incluindo conceitos absolutamente simples (ou seja, reduzindo) estaríamos empregando corretamente os conceitos. Além disso, existia uma outra ilusão e um encanto de se encontrar algo que não poderia ser mais reduzido2. Porém nem sempre o resultado era satisfatório porque chegava-se num ponto em que uma das partes reduzidas era, ou continha, o próprio conceito a ser reduzido.
Por essa principal razão, Strawson considera um modelo completamente diferente de análise filosófica que, justamente, iria na direção contrária do noção de uma simplicidade perfeita nos conceitos: um modelo que tratasse os conceitos como numa rede elaborada, interligada e o qual só poderíamos compreender, do ponto de vista filosófico, ao perceber as conexões existentes entre eles. Assim, não haveria razão para medo ou preocupação se percorrermos as articulações da rede e depois voltarmos ao ponto de partida ou por elas transitarmos. Esse estabelecimento de conexões vai contra “o programa da análise redutora, ou atomista, segundo o qual os limites da análise seriam conceitos ou significados absolutamente simples” (p.36).
O contraponto estabelecido entre essas duas visões dentro da filosofia analítica é que o filósofo de perspectiva atomista procura reduzir e explicar tudo através de poucos elementos. Já o filósofo de perspectiva conectiva traça “conexões num sistema sem a esperança de conseguir desmantelar ou reduzir os conceitos examinados a outros conceitos mais simples” (p.37). Mas daí surge a questão acerca de onde deveríamos procurar os conceitos mais simples. Seria necessário, então, estabelecer conexões com o equipamento conceitual que os alunos, por exemplo, já detêm.. E se desenvolveria uma troca entre a bagagem conceitual e os conhecimentos especializados.
O que valeria nessa segunda visão, chamada também de alternativa, seria a conexão de vários conceitos, não sendo redutíveis e não podendo serem definidos fora desse conjunto, pois todos dependem uns dos outros para o entendimento conceitual total.


Notas:

1- Eles seriam, no caso, os filósofos continentais, representantes de um dos lados que surgiram dessa “separação” da filosofia: a filosofia continental. Esta contrapõe-se à filosofia analítica.

2-Algo como se acreditava serem os átomos. A busca por algo irredutível exercia uma espécie de fascínio nos que acreditavam no Reducionismo.

terça-feira, 17 de junho de 2008

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“A morte é apenas uma travessia do mundo, tal como os amigos que atravessam o mar e permanecem vivos uns nos outros. Porque sentem necessidade de estar presentes, para amar e viver o que é onipresente. Nesse espelho divino vêem-se face a face; e sua conversa é livre e pura. Este é o consolo dos amigos e embora se diga que morrem, sua amizade e convívio estão, no melhor sentido, sempre presentes, porque são imortais”


(William Penn, More Fruits of Solitude)

O Sofista e a Retórica

O Sofista e a Retórica
“O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são o que são, e das coisas que não são o que não são” (Protágoras)

“Ora, para nós, é Deus que deverá ser a medida de todas as coisas, muito mais do que o homem, conforme se afirma por aí” (Platão, As leis)


Sophistés ou Sofista. Inicialmente significa todo aquele que é excelente numa arte ou técnica, que pratica o sophízein para tornar-se hábil, sensato e prudente. Em Atenas, a partir da segunda metade do século V a.C., significa mestre de filosofia e eloqüência. Com Platão, passa a designar pejorativamente o sofista. O verbo sophízomai- tem como um dos significados “tornar-se astucioso e engenhoso para enganar com palavras”- é capital para entender o conceito de sofista.
Conhecemos os sofistas, assim como conhecemos os filósofos pré-socráticos: pouco, pois o que se sabe baseou-se nos fragmentos deixados pelos dois principais sofistas (Protágoras de Abdera e Górgias de Leontini, com exceção de Isócrates- que teve sua obra preservada) e pelos relatos de seus inimigos, sobretudo os filósofos, e por isso são descritos sob um olhar negativo, como dito anteriormente: o sofista seria alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com a intenção de enganar.
Eles viveram no século de Péricles (V a.C.), no auge da democracia ateniense, em meio a uma intensa época cultural e artística da pólis, e estavam ligados ao processo educacional de indivíduos, através da venda de conhecimento (algo condenável para seus contemporâneos, como Sócrates e Platão), para o exercício do discurso persuasivo na ágora, tendo como fim o convencimento geral, sem comprometimento com verdade alguma, pois defendiam o Relativismo e a existência de inúmeras verdades.
Os sofistas foram os primeiros professores na história da educação (e enriqueceram com isso), ensinando a arte de argumentar e persuadir. Isso representava um perigo, pois em pleno regime democrático, onde todos os cidadãos possuem direito de reclamar na ágora e ser um orador eficaz era a chave do poder, estava aberta uma oportunidade de mais pessoas aperfeiçoarem essa característica própria do homem, mediante pagamento, mas que de uma certa forma ía contra a idéia de que o conhecimento deveria ser dado unicamente a para algumas pessoas, por exemplo no caso de Sócrates, que escolhia seus discípulos mediante ao seu daímon- fazendo com que escolhesse corretamente os homens capazes de chegar à virtude, através de uma inspiração.
“Como chegam esses homens a incutir na juventude que somente eles, e a propósito de todos os assuntos, são mais sábios que todo mundo?”1, pergunta o Estrangeiro a Teeteto, evidenciando, assim, uma característica fundamental do sofista: este domina a arte de imitar e faz com que outros acreditem ser ele um sábio- o conhecedor da verdade- mesmo achando impossível se chegar a uma verdade e, no caso de se chegar, de não poder pronunciá-la. Górgias dizia que o “o ser” não pode ser conhecido e se fosse cognoscível, não seria comunicável. Um caminho diferente dos filósofos, que têm a verdade como fim e fazem da filosofia essa busca. Para o filósofo, que reconhece que nada sabe em um primeiro momento, aquele que não sabe e acredita saber é o maior dos ignorantes. Para os filósofos, só é possível conhecer a realidade através da desilusão e, segundo relatos, os sofistas são mestres na arte da ilusão.
“Os professores da eloqüência” dizem que não há um padrão independente de verdade, negando as propriedades essenciais que os objetos possuem de maneira absoluta (essência) e, já que, apóiam-se na idéia que o não-ser é indizível, logo, todo discurso é verídico. E assim, não existe discurso falso: basta ser um proposição que assim será verdadeira. Para Protágoras, se dois homens enunciam discursos contrários, ambos poderão estar com a verdade, já para Aristóteles um estará certo e o outro estará errado (base para a fundamentação do princípio da não-contradição). Aristóteles vai além: diz que todas essas doutrinas (dos sofistas) acabam por destruírem a si mesmas.
O que se destaca no diálogo “Sofista” de Platão é o enorme desejo de definir e capturar esse ser escorregadio que parece que nos escapa, que é o sofista. Entretanto, esse aparente vilão que se apresenta pode ser visto de outra maneira? A corrente de pensamento dos sofistas2 se apresenta um tanto mais “charmosa” no que se diz respeito ao caráter absolutizante, por exemplo, do mundo das idéias, que é transcendente.
Para seus contemporâneos oligarcas, os sofistas ensinavam o que não se ensina, pois é algo dado pela natureza: ser cidadão. Os seus contemporâneos socráticos diziam que eles operavam com opiniões (doxa) contrárias, ensinando a argumentar persuasivamente tanto em favor de uma como de outra, deixando de lado o verdadeiro conhecimento (episteme) que é o mesmo para todos os homens. A meta de Platão era tirar essa techné das mãos dos sofistas e mostrar que, aplicada propriamente e baseada no conhecimento da verdade, era coextensiva com a filosofia. Os “refutadores” fazem opção pelo nómos contra a phýsis: as convenções estão em todos os lugares, não existem valores, idéias e leis absolutas e universais. Para um sofista ou retórico, verdade e conhecimento eram ilusão e pelo que parece, interessa-se inteiramente pelos meios, e não pelos fins, e seu ensino tem diferentes efeitos nos alunos de acordo com o caráter. A retórica em grandes públicos3 funciona de modo que os ouvintes não são escolhidos, não se conhecem entre si, e a palavra é dirigida a profanos que não discutem, apenas escutam. Segundo Giorgio Colli em “O Nascimento da Filosofia” a retórica nasceu com a vulgarização da primitiva linguagem dialética.
Um suposto entrelaçamento entre o “ser” e o “não-ser” será evidenciado pelo Estrangeiro e Teeteto em o “Sofista” de Platão, mostrando que é possível um discurso falso, tentando derrubar a tese sofista de que é impossível falar falsamente, onde tudo que parece e tudo que se crê seriam verdadeiros.
Nas palavras do Estrangeiro: “Assim, esta arte de contradição que, pela parte irônica de uma arte fundada apenas sobre a opinião, faz parte da mimética e, pelo gênero que produz os simulacros, se prende à arte de criar imagens; esta porção, não divina mas humana, da arte de produção que, possuindo o discurso por domínio próprio, através dele produz suas ilusões, eis aquilo de que podemos dizer 'que é a raça e o sangue' do autêntico sofista, afirmando, ao que parece, a pura verdade”.4

Bibliografia:

Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. “Teoria do Conhecimento (capítulo 10)”, in Filosofando: introdução à filosofia - 3.ed. revista (São Paulo: Moderna, 2003): pp. 120-121.

COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofia; [trad. Federico Carotti]. Campinas, Ed. Unicamp, 1988: p. 85.

PLATÃO. “Sofista”. Os Pensadores [trad. Jorge Paleikat e João Cruz Costa]. 1ª ed. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1972.

GUTHRIE, W. K. C. Os Sofistas [trad. João Rezende Costa].- São Paulo: Paulus, 1995. pp. 33-38, 169-174.

Notas:
1 PLATÃO. Sofista. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1792. p.158 d.
2Apesar de agrupá-los numa corrente de pensamento e enquadrá-los todos como “sofistas”, eles não se identificavam a um mestre e não se prendiam a uma determinada escola, pois eram individualistas.
3Os sofistas se distinguiam dos oradores populares, segundo “Sofista” de Platão: “atuam em reuniões particulares, dividindo seu discurso em argumentos breves, obrigando seu interlocutor a se contradizer”.
4 PLATÃO. Sofista. Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1792. p. 203 d.

O Desafio de Pensar


O desafio de pensar: Filosofia e a Sociologia no ensino médio
05/06/2008
Andréa Antunes

Após 37 anos, Sociologia e Filosofia voltam à grade curricular obrigatória do ensino médio de escolas públicas e privadas de todo o país. A previsão é de que isso aconteça a partir de 2009, já que a lei que obriga a inclusão das matérias foi sancionada no último dia 2. Professores e profissionais que atuam nestas áreas comemoram a aprovação da medida e afirmam que agora o desafio é definir como as disciplinas devem ser trabalhadas ao longo desses três anos de ensino.
"Elas devem representar uma alternativa na forma de pensar, que não pode ser engessada, alienante. Devem ser trabalhadas de forma a oferecer aos estudantes um pensamento crítico do mundo", afirma o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Uerj, José Augusto de Souza Rodrigues.
Na visão do sociólogo, as disciplinas proporcionam ao estudante uma reflexão crítica sobre o contexto social em que estão inseridos e contribuem para a formação da cidadania. "Para que isso aconteça é preciso oferecer esta formação crítica. Caso as matérias apresentem unicamente a história da sociologia, os nomes de grandes pensadores não contribuirão para a formação do pensamento reflexivo. Não devemos estimular a decoreba. É preciso acompanhar como as disciplinas serão ministradas."Filosofia é base para o pensar crítico
Presidente da Academia Brasileira de Filosofia (ABF), João Ricardo Moderno acredita que discutir o currículo dessas disciplinas é fundamental. "As secretarias estaduais e sindicatos de escolas particulares deveriam procurar a Academia e associações representativas para discutir a proposta de um currículo mínimo", defende. Em Filosofia, Moderno defende que é preciso apresentar ao jovem a história da Filosofia e a história da Filosofia Brasileira, entre outros pontos. "É preciso estimular a reflexão para que os jovens possam desenvolver sua criticidade."
Chefe do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, Ricardo Jardim Andrade vê a aprovação da lei como uma vitória da democracia. "Elas foram excluídas do ensino médio em 1971 porque eram vistas como ameaçadoras da ordem (ou desordem) estabelecida. O retorno de ambas representa uma vitória da liberdade de expressão contra o obscurantismo, a censura e o pensamento massificado."
Para o filósofo, as disciplinas, além de ensinarem a pensar, desenvolvem a capacidade de expressão oral e escrita dos jovens. "Quem pensa bem, escreve e fala bem", diz, destacando ainda que "elas estimulam a formação de um pensamento crítico e reflexivo. Criam condições favoráveis para a inserção consciente, dinâmica e criativa dos jovens na situação sócio-cultural e histórica em que se encontram. A filosofia, em particular, é necessária para o estabelecimento de um diálogo interdisciplinar que resista à especialização excessiva do próprio conhecimento científico e oferece aos jovens uma visão global da realidade".Pensando no futuro, com ênfase na humanidade
Diante do quadro de desordem urbana e falta de civilidade que toma conta do país, discutir a sociedade, seus fundamentos e ética na escola pode ajudar a mudar o futuro segundo os especialistas. Para o filósofo João Moderno, os professores devem fazer relações de conceitos da disciplina com o dia-a-dia. "A teoria é a abstração de atividades práticas. Os professores devem mostrar isso aos estudantes. Ao fazer relações com situações do cotidiano estarão mostrando como é possível mudar a sociedade. Eles devem mostrar aos jovens transgressões que são cometidas diariamente sem que a pessoa se dê conta. Assim, eles terão consciência de seus direitos e deveres", diz Moderno, destacando que a aprovação da lei mostra uma mudança de linha de pensamento político dos dirigentes do país. "Com a inclusão dessas disciplinas voltamos a ter uma ênfase no espírito. Não conseguimos mudar a matéria sem mudarmos o espírito. Agora, estamos novamente dando ênfase à humanidade."
De acordo com o sociólogo José Augusto, jovens formados em uma tradição de olhar crítico podem mesmo criar laços mais fraternos. Mas o especialista alerta que "depositar todas as esperanças de que os conflitos e contradições da sociedade possam ser solucionados sem uma nova forma de pensar é uma ingenuidade." Afinal, mudar o comportamento de uma sociedade exige muito mais do que isso. Mas, como grandes mudanças exigem pequenas atitudes, este pode ser um começo...

Aprovação da lei pode elevar mensalidade escolar
Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro (Sinepe-RJ), que representa 54 cidades de todo o Estado do Rio, Cláudia Costa acredita que a medida irá atingir o bolso dos pais e dificultar a vida dos estudantes, que nesta fase estão voltados para o vestibular. "Acho que estão tomando uma medida equivocada. A intenção é qualificar as escolas, mas não será isto que vai acontecer. A inclusão destas duas disciplinas significará um aumento de custo e tempo do aluno nas escolas. O que gera um excesso sem nenhuma vantagem qualitativa. As escolas terão que ter mais dois especialistas e, com isso, terão que aumentar o valor da mensalidade", avalia.
De acordo com a sindicalista, representantes da Federação Nacional das Escolas Particulares têm procurado senadores e deputados na tentativa de evitar que novas leis que determinam a inclusão de outras disciplinas sejam aprovadas. "Há demanda para que sejam criadas disciplinas de música, de cultura afro-brasileira. A escola não tem condições de atender a todos esses interesses. Sociologia e Filosofia sempre foram trabalhadas de forma transversal nas escolas, como determina os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) e contribuíram de maneira positiva para a formação dos jovens sem sobrecarregá-los", diz Cláudia Costa, ressaltando que as escolas irão cumprir a lei.
Presidente da Academia Brasileira de Filosofia (ABF), João Ricardo Moderno rebate as críticas à aprovação da lei lembrando que a educação não pode ser estática e cabe aos donos de escolas usarem a criatividade para se adequar às novas exigências da sociedade. "Antes, a informática não era necessária na escola. Hoje não podemos pensar um processo educacional que desconsidere esta ferramenta. Os donos de escolas devem ser inteligentes e criativos e lembrar que a educação apresenta particularidades. Devem procurar concessões juntos aos órgãos públicos, por exemplo. Eles não estão no mercado de ações. Podem ganhar dinheiro, mas devem praticar a boa educação."
A nova lei não estabeleceu um prazo para que as escolas de ensino médio coloquem as disciplinas na grade curricular. A expectativa é de que isso aconteça a partir do próximo ano letivo. Desde 1980 Filosofia e Sociologia fazem parte da grade curricular do primeiro ano do ensino médio das escolas públicas do estado do Rio. Agora, deverão ser oferecidas ao longo dos três anos de ensino. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, o órgão está analisando a lei e estuda formas para implementá-la no Estado. Ainda não se sabe se haverá necessidade da realização de concurso para selecionar docentes para essas disciplinas.

Afinal, o que muda com a publicação da nova lei?
Segundo a assessoria do Ministério da Educação, Filosofia e Sociologia estão presentes nos currículos das escolas de ensino médio de 25 estados e do Distrito Federal. Apenas São Paulo ainda não oferece Sociologia. Em todo o país, as escolas de ensino médio se adaptaram à Resolução nº 4 de agosto de 2006, do Conselho Nacional de Educação (CNE), que determinava a inclusão das disciplinas em um prazo de um ano e já estão oferecendo as disciplinas.
O que muda com a nova lei é que agora elas não poderão mais ser ministradas de forma transversal pelas escolas, cujas propostas pedagógicas adotam uma organização curricular flexível (o que era aceito pela resolução do CNE).
Filosofia e Sociologia deverão entrar na grade curricular como disciplinas e terão que ser oferecidas durante os três anos do ensino médio. A previsão é de que as disciplinas integrem os currículos a partir de 2009, já que não foi estabelecido nenhum prazo para que as secretarias estaduais e redes particulares se adeqüem à nova lei.
Em 1971, as disciplinas deixaram de ser lecionadas nas salas das escolas de ensino médio por determinação da ditadura militar, sendo substituídas por matérias como Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política Brasileira). Em 2001, o Congresso Nacional aprovou a inclusão das duas matérias, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a lei.
A lei que reintroduz as disciplinas foi aprovado pelo Congresso Nacional em 8 de maio deste ano e sancionada pelo presidente em exercício José Alencar, no último dia 2. Entra em vigor assim que for publicada no Diário Oficial.

Retirado do Folha dirigida Online

O Lugar da Lógica

O lugar da lógica
“O objetivo da lógica não é determinar se as conclusões são verdadeiras ou falsas, mas determinar se o que se afirma como conclusões são conclusões” (Augustus de Morgan)

“A linguagem mascara o pensamento” (Wittgestein)

Etimologicamente, a palavra lógica vem do grego logos, que significa “palavra”, “expressão”, “conceito”, “discurso”, “razão”. Em termos gerais podemos defini-la como o estudo dos métodos e princípios da argumentação. Ou, então, como a investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue de suas premissas. Entretanto, ao longo de sua história, a lógica teve alguns aspectos revistos, de modo a aumentar sua consistência ou de torná-la mais adequada quanto a sua forma.
Na longa tradição herdada desde Aristóteles, muitos dos problemas enfrentados pelos lógicos decorrem de que as línguas se prestam a ambigüidades, equívocos, falta de clareza, além de deixarem prevalecer conotações emocionais que perturbam o raciocínio. Daí a importância da criação de uma lógica simbólica em uma linguagem artificial.
A lógica simbólica ou matemática, que é a lógica da atualidade, não difere da clássica em essência, mas distingui-se dela de maneira notável, na medida em que, ao desenvolver uma linguagem técnica específica, introduz maior rigor, tornando-se um instrumento mais eficaz para a análise e dedução formal.
O que pretendo neste pequeno ensaio é fornecer um panorama sobre os três modos diferentes de conceber a lógica, enfatizando o último, ou seja, a concepção lingüística, a “logística”, pois por uma questão cronológica é importante ter essa visão, para depois situar “o lugar da lógica”.
A história é uma construção humana e sendo a lógica algo diretamente ligado ao homem e ao seu próprio pensamento, ela também possuí uma história. Sob um olhar histórico, a lógica possuí três períodos: o primeiro abrange a lógica antiga (de Aristóteles até a Idade Média), o segundo inicia-se na Idade Moderna (tendo como expressões notáveis Hegel e Kant) e o terceiro período, atual, inicia-se com Frege (sendo caracterizado como lógica “matemática”, “simbólica” ou somente como “logística”).
No primeiro período, a primeira teoria da inferência formal válida foi desenvolvida por Aristóteles e, mesmo ele não possuindo nenhum conceito unitário de lógica, a lógica tradicional se orientou pelos seus escritos lógicos (reunidos sob o nome “Organon”), dos quais a tríade “conceito-juízo-inferência” baseou-se . Aristóteles fundamenta, junto à metafísica, seu conceito de lógica. A metafísica, de uma certa forma, relaciona-se com a lógica pela busca do dos princípios do “ser enquanto ser” (leis do ser ou da realidade), dando à lógica um caráter ontológico, envolvendo-a, assim, nos problemas colocados por essa ciência investigativa.
O segundo período caracteriza-se pela predominância de problemas ligados à teoria do conhecimento e à psicologia, deixando o esclarecimento de conceitos lógicos básicos para segundo plano. Por um lado um período considerado improdutivo sob um ponto de vista da lógica e por outro, um período que influenciou fortemente os sistemas filosóficos. A “Lógica de Port-Royal” foi um marco desse período, assim como Kant, afirmando que a lógica é uma ciência pronta e acabada (afirmação que posteriormente será concebida como fraca). Entretando, Kant contribuiu de maneira valiosa para o conceito de lógica. A lógica, para ele, seria “a arte geral da razão”, fundamento para todas as outras ciências, um instrumento para avaliação e retificação de nosso conhecimento, contendo somente leis a priori, tendo como objetivo a própria razão e se preocupando com as leis universais e necessárias do pensamento geral. Esse período baseou-se na mente humana como “fonte” da lógica e, por isso, mesmo que Kant afirme que ela não se pauta por princípios empíricos, temos aqui uma concepção psicologista de lógica.
O terceiro período representa a separação dos problemas lógicos dos psicológicos, com a lógica sendo caracterizada como "simbólica" e iniciada pela obra "Ideografia (Begriffschrift)" de Frege, onde refere-se a um sistema simbólico artificial, elementar, não determinado e dotado (pelo menos potencialmente) de uma descrição rigorosa. A atual fase da lógica caracteriza-se pela concepção lingüística e é vinculada à fundamentação da verdade.
Willard Van Quine foi um lógico da filosofia e filósofo da lógica que perpassou por esse período, tomando a problemática da linguagem na lógica simbólica. Para ele, a verdade lógica baseia-se em dois fatos: a gramática, que tem um aspecto puramente lingüístico, e a verdade, que não o tem. Uma sentença é logicamente verdadeira se todas as sentenças munidas dessa estrutura gramatical são verdadeiras. A verdade implica puramente na estrutura gramatical.
Quine traça um limite, separando a lógica e a matemática das ciências naturais, pois estas foram consideradas posteriormente como monopolizando a informação. A lógica e a matemática servem somente como processo de informação e permanecem intocáveis. Aprendemos lógica estudando a linguagem.
No século XIX, terceiro período, surgiram inúmeras lógicas que não só completavam como rivalizavam com a tradicional (a do primeiro período). É importante destacar o lugar da lógica, bem como sua importância, que tem aumentado com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, na medida em que seu campo de atuação se amplia como instrumento do pensar indispensável em filosofia, matemática, computação, direito, lingüística, ciências da natureza e tecnologia em geral (com destaque para setores como: inteligência artificial, robótica, engenharia de produção, administração, controle de tráfego, programação flexível etc.).
A lógica é um instrumento que, desde Aristóteles, evoluí com o tempo, ampliando seu campo de aplicação, no campo da práxis. Essa ciência normativa do pensamento humano não nascera pronta da poderosa mente do Estagirita.

Bibliografia:
Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. “Instrumentos do pensar (capítulo 9)”, in Filosofando: introdução à filosofia - 3.ed. revista (São Paulo: Moderna, 2003): 100-117.

TUGENDHAT, Ernst. “O que significa lógica?”, in Ernst Tugendhat & Ursula Wolf, Propedêutica Lógico-Semântica. (Petrópolis, RJ: Vozes, 1996): 9-16.
KANT, Immanuel. “I-O conceito da lógica”, in Lógica (Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993): 29-33.

QUINE, Willard Van. “O fundamento da verdade lógica”, in Filosofia da Lógica (Trad. Therezinha Alvim Cannabrava. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972):128-137.

FREGE, Gottlob. “Introdução (Prof. Paulo Alcoforado)”, in Lógica e Filosofia da Linguagem (Trad. Prof. Paulo Alcoforado. São Paulo: Editora Cultrix, 1978): 15.