segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

René Descartes e a prova ontológica de um Deus-razão não enganador



Terceira Meditação
Deus existe, garante o cogito e a nossa potencialidade; e acima de tudo não é enganador: o ponto fixo que nos possibilita conhecer o mundo

As terceira substância de Descartes: "Provar a existência de Deus é provar que as idéias claras e distintas são verdadeiras"; é garantir o res cogitans (substância pensante) e o res extensa (substância corpórea)

Deus. "Uma substância perfeita, infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que as coisas existem) foram criadas e produzidas": assim o concebemos em qualidades e assim diz Descartes em sua terceira meditação, após chegar à conclusão que Deus existe. Ao longo da segunda parte dessa meditação, Descartes se empenhará em provar essa existência, apoiando-se no princípio de causalidade, no qual "é coisa manifesta pela razão natural que deve haver ao menos tanta realidade na causa eficiente e total quanto no seu efeito": pois de onde é que o efeito pode tirar sua realidade senão de sua causa? E como poderia esta causa lhe comunicar se não a tivesse em si mesma?".
Eu, como substância pensante e finita, não poderia criar a idéia de um ser perfeito e infinito, pois essas vantagens são muito grandes e importantes, o que nos faz aceitar, baseando-se que do finito não pode criar-se o infinito, que Deus existe; e que mesmo eu sendo uma substância, não teria essa idéia de uma substância infinita se ela não tivesse sido colocada em mim por uma substância que fosse, de fato, infinita.
A argumentação que se segue explicita que existe mais realidade na substância infinita do que na substância finita, pois a noção de infinito é anterior à do finito, ou seja, de Deus antes de mim mesmo. Somos levados a nos perguntar, nesse ponto, se seria possível, sem os atributos de Deus, conhecermos as necessidades de nossa própria natureza. As idéias de que "me falta algo" e de que "não sou totalmente perfeito" remetem à idéia de um ser mais perfeito que o meu. E mesmo que finjamos que um tal ser não existe, não podemos finjir que não nos represente nada de real. Eis uma idéia bastante clara, real, verdadeira e que é, mesmo que eu não compreenda inteiramente o infinito, a mais distinta dentre todas as que se encontram em meu espírito.
Descartes diz que posso ser algo mais do que imagino ser e que todas as perfeições de Deus estejam de algum modo em mim, mas "adormecidas": o meu conhecimento, a cada dia, se aperfeiçoa pouco a pouco (podendo se ampliar ao caminho do infinito), mas, mesmo que tenha esse potencial, não posso comparar isso, de maneira alguma, com a idéia que tenho da divindade.
"Na divindade nada se encontra em potência, mas tudo é atualmente e efetivamente". A própria idéia de "imperfeição de meu conhecimento" se dá ao notar esse crescimento do mesmo, onde ele nunca poderá ser infinito, embora esteja sempre aumentando. Deus não poderia ter sido criado por nós, porque o ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que existe apenas potencialmente: sua idéia é dotada de um tão alto grau de perfeição, que não podemos acrescentar e tirar nada dela. Porém caímos em nossas velhas opiniões ao relaxar e olhar para as coisas sensíveis...
Por isso, "desejo passar adiante e averiguar se eu mesmo, que possuo essa idéia de Deus, poderia existir, no caso de não haver Deus". De onde me originaria, então? De mim mesmo? De meus pais? Ou de alguma causa menos perfeita do que Deus? Se eu fosse autor de meu ser, se eu fosse independente, com certeza não duvidaria de nada, não sentiria mais desejos e, enfim, não me faltaria perfeição alguma; eu seria, assim, o próprio Deus. E cabe pensar, também, acerca disso: as coisas que nos faltam talvez não sejam mais difíceis daquelas que já possuímos. "Foi muito mais difícil que eu, uma substância pensante, tenha surgido do nada do que seria conseguir as luzes e os conhecimentos de muitas coisas que desconheço, e que são meros acidentes dessa substância". Se eu tivesse sido o meu próprio autor, não me teria privado desses conhecimentos e também das coisas que estão compreendidas na idéia de Deus (que possuem algum grau de perfeição).
Não posso negar que Deus seja o criador de minha vida, mesmo se concebo que talvez eu tenha sido sempre como sou agora: pois todo o tempo de minha existência pode ser dividido em uma infinidade de partes (independentes uma das outras); porém do fato de eu ter sido pouco antes não decorre que eu deva ser agora, exceto se neste momento alguma causa me produza e me crie novamente, em todos os instantes, ou seja, que me preserve. É preciso do mesmo poder e da mesma ação para que sejamos preservados nos instantes de nossa duração; daquele poder necessário para nos criar e produzir caso não existíssemos. Preservação e criação não são coisas diferentes. Nós é que damos nomes diferentes. Será que este poder está em mim? Interrogando a mim mesmo chego à conclusão que não. Não possuo essa virtude de fazer de tal maneira que eu, que sou agora, seja ainda no futuro. Se eu tivesse tal poder, eu teria conhecimento dele, eu poderia pensá-lo. Reconheço, então, que dependo de algum ser distinto de minha substância.
Será que eu poderia ter sido produzido não por Deus e sim por meus pais ou causas menos perfeitas? Para Descartes, isso não pode ser assim. "Porque, como já afirmei antes, é bastante evidente que deve existir ao menos tanta realidade na causa quanto em seu efeito. E, então, por eu ser uma coisa pensante e possuir em mim alguma idéia de Deus, qualquer que seja a causa que se atribua à minha natureza, é preciso confessar que ela deve ser de igual maneira uma coisa pensante e possuir em si a idéia de todas as perfeições que atribuo à natureza divina". Se examinarmos essa causa e chegarmos à conclusão de que ela possuí sua origem e sua existência a partir de si mesma, então, ela própria deve ser Deus: portanto se é e existe por si, ela também possuí todas as perfeições cujas idéias concebe, ou seja, todas aquelas que eu concebo existentes em Deus. Se ela tira sua existência de alguma outra causa diferente de si, prosseguiremos em uma cadeia de causas até que, pouco a pouco, se chegue a uma causa última, que é Deus. Deus é a única idéia que eu posso dar o salto da essência para a existência. Se ele é perfeito, então participa da existência. Se não o é, então não é a causa última e, assim, partiremos em busca dela, que, no final, se comprovará ser o próprio Deus, que nos criou e, atualmente, nos preserva.
Cabe ressaltar que não podemos supor que somos produtos de várias causas juntas, das quais receberíamos separadamente as idéias dos atributos de Deus, pois a unidade, a simplicidade e a inseparabilidade de todas as coisas que existem em Deus é uma das principais perfeições que concebo haver nele. Essa própria idéia de unidade foi posta em mim pela mesma causa da qual eu recebi as idéias de todas as outras perfeições. Porque ela não mais pode ter feito compreender juntas e inseparáveis, sem fazer ao mesmo tempo com que eu soubesse o que elas eram e que as conhecesse a todas de alguma maneira".
No que diz respeito aos meus pais, aos quais devo o meu nascimento (mesmo havendo dúvidas acerca disso), não posso concluir que sejam eles que me mantêm, nem que tenham me feito e produzido enquanto coisa pensante, pois meu espírito se encontra encerrado. "Pelo simples fato de que eu existo e de que a idéia de um ser perfeito, ou seja, Deus, é em mim, a existência de Deus está muito claramente provada".
Como adquiri essa idéia? Não recebi a idéia de Deus através dos sentidos e ela jamais se ofereceu a mim contra a minha expectativa, como o fazem as idéias das coisas sensíveis. Não é pura produção ou ficção de meu espírito, pois não tenho o poder, como dito antes, de acrescentá-la ou diminuí-la. Consequentemente, não restou outra opção: de igual maneira à idéia de mim mesmo (Dubito, ergo cogito, ergo sum), ela nasceu e foi produzida comigo desde o instante em que fui criado.
Deus, ao me criar, colocou em mim esta idéia para ser como a marca impressa em sua obra; e não é também preciso que essa marca seja algo diferente da própria obra. Daí Descartes deduz que é acreditável que Ele tenha nos feito à Sua imagem e semelhança; e que eu conceba essa semelhança pela mesma faculdade pela qual concebo o cogito, o que me faz refletir sobre minhas imperfeições diante de um ser tão perfeito; mas, ao mesmo tempo, aspiro ininterruptamente a algo melhor e maior do que sou e vejo que possuo os atributos divinos potencialmente; porém vejo que Deus os possuí de fato, atual e infinitamente . Deus é uma idéia evidente, assim como o cogito: já salta aos olhos como verdadeira, não precisa de uma demonstração (embora Descartes a tenha feito aqui) e é marcada pela clareza e pela distinção.
"E toda a força do argumento de que aqui me servi para demonstrar a existência de Deus consiste em que reconheço que seria impossível que minha natureza fosse tal como é, isto é, que eu tivesse em mim a idéia de um Deus, se Deus não existisse de fato; esse mesmo Deus do qual existe uma idéia em mim, ou seja, que possuí todas essas altas perfeições de que nosso espírito pode imaginar, sem, contudo, compreendê-las a todas, que não é sujeito a necessidade alguma e que nada possuí de todas as coisas que indicam alguma imperfeição".
Logo, ele não pode ser enganador, pois a razão nos ensina que o embuste depende de alguma necessidade e como Deus é perfeito, não necessita de coisa alguma.
Nos deliciemos, então, com a maior felicidade de que tenhamos o poder de sentir nesta existência, segundo Descartes, e que a fé nos ensina que será a ventura da outra vida: essa contemplação da magnificência divina, que será superior à qualquer meditação.

domingo, 14 de dezembro de 2008

1 ano de blog!!!

Faz um ano que essa idéia foi colocada em prática...
Parabéns pelas idéias realizadas!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Política educacional brasileira


Política educacional brasileira: economia, cultura e reprodução da sociedade

Bárbara Freitag evidencia o papel fundamental e direcionador da economia no sistema educacional brasileiro ao longo da história. Sob as influências do mercado, a educação torna-se umas das instituições que assegurarão a reprodução da cultura e das estruturas de classe, bem como as relações de dominação que daí decorrem, como, por exemplo, a ideologia dominante, que é passada de aula em aula. A análise de Freitag tenta nos explicar o predomínio de certas classes em determinados ramos de ensino. Se esse cenário é muito mais diversificado nos dias atuais, pelo menos a análise deixa claro esse movimento ao longo da história educacional brasileira.

Através de uma periodização que leva em conta as políticas econômicas, a educação possuiu, nesse enquadramento, três momentos: o primeiro momento abrange o Período Colonial, o Império e a I República e corresponde ao modelo econômico de agroexportação (1500-1930); o segundo corresponde ao modelo de substituição das importações (1930-1960); e o terceiro (que não será abordado no trabalho) corresponde ao período da internacionalização do mercado interno (1960 até os dias atuais). Estamos diante de modelos econômicos divergentes que se traduzirão em papéis diferentes desempenhados pelas instituições educacionais, cada um com suas prioridades. Entretanto o que é alertado é a situação da classe subalterna que, mesmo com uma aparente melhora devido à flexibilidade causada pelas novas leis, não mudou muito, uma vez que se encontra lançada num jogo onde os interesses de várias classes entram no cenário. É necessário, então, lembrar que o critério para se identificar uma classe é o econômico. A economia, por sua vez, especifica a formação social como um todo, o que nos revela importante a sua contextualização, mesmo que breve, para que se entenda a questão educacional brasileira. Outras questões que podemos colocar: a educação está a serviço da economia? Ou ela aspira a algo maior?

O primeiro momento foi caracterizado pela pouca importância da educação: a monocultura latifundiária não exigia uma formação, aliás, se exigisse ela seria mínima, por isso uma política educacional gerenciada pelo Estado não existia. A Igreja, pelas escolas de jesuítas, se encarregava de reproduzir a ideologia que, por um lado, já era assegurada pelas relações de produção. A independência política trouxe uma necessidade para a formação de quadros dirigentes e o resultado foi o surgimento de escolas militares, de nível superior. Com a República, a política educacional estatal (muito embrionária) começa a se desenvolver, tomando, assim, o espaço que antes era da Igreja.

O segundo momento é caracterizado pelo modelo de substituição das importações, medida tomada após a grande depressão de 1929 onde grandes mudanças estruturais aconteceram. Um novo grupo ascende na pirâmide social: a burguesia urbano-industrial; e com essa nova organização os aparelhos repressivos do Estado são reorganizados. A educação será uma delas, pois desde a época das escolas de jesuítas, ela era vista como uma "arma pacífica". Ao longo desse período mudanças são implantadas, como a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, a contingência do ensino religioso, a introdução do ensino profissionalizante. A Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) só será sancionada em 1961, após um longo processo de reconciliação entre duas propostas que proclamavam diferentes interesses: a proposta de seu primeiro projeto-de-lei encaminhado pelo então Ministro da Educação Clemente Mariani e o "substitutivo Lacerda" encaminhado pelo Deputado Carlos Lacerda. Respectivamente, as principais reivindicações eram: a equivalência e flexibilidade entre ensino médio tradicional e técnico; e a educação como instituição privada, financiada, mas sem a intervenção estatal. O resultado englobará as duas tendências, mas as nobres camadas da sociedade ainda desfrutarão das melhores condições. Entretanto, na teoria, mesmo que "ilusório" na prática, é dada uma chance aos subalternos para uma ascensão social. É aqui que entram os paradoxos que antecedem e que são posteriores a essa lei.

Podemos denominar a educação, com suas funções de reprodução da cultura e das estruturas de classe, como um veículo de ascensão, mas ao mesmo tempo como uma "arma pacífica", uma maneira de apaziguar a classe menos privilegiada no sistema econômico vigente. Classe essa que, ao longo da história, registrou altos índices de evasão das escolas, seja por questões domésticas, de transporte ou relativas ao material didático. A grande polêmica se instaura junto ao ensino profissionalizante, pois visava, com esse tipo de ensino, os "filhos dos operários": a busca por um exército de trabalho (semi-qualificado) é , então deflagrada. O ensino "para as massas" parecia trazer inúmeras vantagens para os futuros profissionais, mas não contribuía para o ingresso no vestibular, já que os alunos dessa rede, em sua maioria, trabalhavam durante o dia para pagarem seus cursos (estudando, assim, de noite), ou seja, pagavam com suas energias. Além disso, esses cursos eram introdutórios na medida em que não correspondiam ao nível que enunciavam: poderiam ser vistos como simples cursos propedêuticos, um curso barato no qual o diploma rápido era a grande meta, um diploma sem muito valor.

Enquanto isso, as escolas de elite e o ensino propedêutico diurno (com um ensino de qualidade superior, que garantia grandes chances de se passar no rigoroso vestibular) eram os alvos das camadas econômicas superiores. Configura-se, assim, o cenário que reproduzirá a força de trabalho e uma sociedade de classes. O ensino superior das renomadas universidades (principalmente os cursos tradicionais como direito, medicina e engenharia) continuará nas mãos da elite e que, por sua vez, fará parte, novamente, dos quadros dirigentes do nosso país.

A LDB reflete as tensões do longo período em que é elaborada: tentando atender as classes subalternas (pela equivalência e flexibilidade entre os cursos tradicionais e técnicos) e também a elite (assegurando o setor privado na educação). Ambos, Estado e iniciativa privada, podem ministrar cursos no Brasil. E essa "simples" lei se desdobrará em vários outros paradoxos em nossa sociedade ao longo dos anos.

Bibliografia:

Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade- 4. ed. rev.- São Paulo: Moraes, 1980. (Coleção educação universitária)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Anatomia das paixões

Um mergulho no homem...

pelos portais de nossas paixões,

pela exuberância
dos nossos sentidos,

e temos na ciência
mais do que uma seca lógica...

Ganhamos arte...

E na arte,
mais que a razão do belo...

Uma sensível ciência...

e ambas,

arte e ciência,

trazem o seu criador

num todo-saber que desafia
suas acadêmias...

Renascendo
um homem único...

Indivisível...

Inviolável...

Um homem imortal...

E posto que homem

em todas as línguas,

por todas as lógicas...

é Homem no
entendimento
universal...

O sistema auditivo humano é apresentado dentro de perspectivas anatômicas, cognitivas e artísticas. O público é convidado a assistir a um show com a banda Os Temporais, no entanto, se depara com um show bizarro...Ambientada em teatro improvisado no salão principal da Casa da Ciência, a banda é formada por músicos "mortos", representados pelos trabalhos esculturais dotados de interferências artísticas em torno dos ossos que compõem o sistema da audição humano e que fazem parte do acervo anatômico da UFRJ. Além disso, permeando o material expositivo, a música emerge dos instrumentistas simbolicamente representados. Na riqueza da metáfora cenográfica aqui vivenciada, a audição se estabelece como um dos portais da paixão humana. (Créditos: Profª Maira Fróes)

Os Cantos de Maldoror (passagem)

"Pois bem, que assim seja! Que minha guerra contra o homem se eternize, já que cada um de nós reconhece no outro sua própria degradação... já que somos ambos inimigos mortais. Quer deva eu conseguir uma vitória desastrosa ou sucumbir, o combate será belo; eu, sozinho contra a humanidade".

Lautréamont, "Os Cantos de Maldoror".

Milhares...


Milhares de pensamentos atravessavam-me nesse momento que não conseguiria enumerá-los aqui. Tenho somente a certeza de que resultavam em algo bom, pois o coração batia em completa harmonia nesse segundo.
Um instante. Uma foto. Um clique. Até me senti o criador de toda a beleza desse mundo.
A fotografia é, junto da filosofia, uma das maiores genialidades desse mundo, pois pode nos trazer tamanho sentimento, que até perdemos palavras na hora de nos expressar. Mas, cá entre nós, acho que não precisamos falar nada num momento desses. Só que na vastidão desse horizonte reconheço que vim sozinho e que da mesma forma partirei. É belo. E doloroso.
É melhor assim.

Daquilo que eu sei (Ivan Lins)

Daquilo que eu sei
(Ivan Lins)


Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...

Daquilo que eu sei
Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível
Nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah Eu!
Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo!
Cada vez mais limpo!
Cada vez mais limpo!

sábado, 6 de dezembro de 2008

Filosofia da Ciência (continuação 3)

(Idealismo Discursivo- continuação 3)

"Havia em mim tantos aspectos que não eram meus e que perturbavam a consistência lógica de minha essência! Ao afastá-los de mim, eu me reconstituo"

"São raros os momentos em que o cogito distinto se esclarece numa conquista objetiva; são como a consciência de um nascimento". Esse funcionamento não é imediato e ficamos à espera de "instantes criadores". Por isso a meditação deve começar com um esforço lento, num cogito negativo onde, assim, seriam evidenciados os laços essenciais. "O espírito vê-se assim melhor no limite de si mesmo". Para Bachelard, essa ciência pedagógica fortaleceria uma cultura intelectual, pois estaríamos refazendo o erro em nós mesmos para perceber o papel de um conhecimento, sua importância. Estaríamos entendendo a importância de algo através de sua própria perda, uma dialética ontológica, como no exemplo proposto por Bachelard: "o que seria a consciência de uma força moral sem a lembrança da tentação?". Essa dialética poderia ser aplicada nos mais diversos campos.
A compreensão se dá na oscilação do ser e do não-ser: a clareza de entendimento do ser acontece quando ele toma consciência de seu aniquilamento. É um instante de renascimento, de reconhecimento, onde o ser vibra com toda a sua força. O conhecimento é construído a partir de ilusões que o sujeito perde. "O sujeito, ao meditar o objeto, elimina não só os traços irregulares no objeto, mas atitudes em seu próprio comportamento intelectual": "o ser está em luta constante contra suas aparências". Aliás, para Bachelard, no momento em que compreendemos essa noção de aparência, nós somos, ao mesmo tempo, vítimas e vencedores. Isso tudo é fonte de uma intuição nova, que já não é mais a cartesiana.
Não há sujeito puro e não há objeto dado, ambos se constituem ao longo do processo de objetivação. O sujeito é aquela razão que permeia a discussão (um diálogo onde não há precisão); ele surge da polêmica. Ambos, sujeito e objeto, são perdidos e reconquistados. "Não há tensão sem prévio descanso". Há com certeza, em Bachelard, uma preocupação com o método: estamos numa constante luta contra as aparências, mas essa luta jamais terá um fim, a promessa é a de um inacabamento.
"Pensar-se como ser é abjurar seus erros. Logo, só conseguirei me descrever como sou se disser o que não quero ser. (...) Só aparecerei com clareza a mim mesmo como a soma de minhas renúncias. (...) É pela comparação de nossas renúncias que temos chances de sermos parecidos uns com os outros (...). De fato, só somos originais por nossos erros. Somos seres de fato apenas pela redenção". Tal redenção, para Bachelard é o "vôo vertical", que é criação. O pensamento, então, teria a dupla confirmação de sua realidade: subjetiva e objetiva. Não sabemos, porém, como criar esses instantes em nós e ficamos à espera dessa síntese...
Gaston Bachelard conclui que o esforço metafísico para perceber o ser em nós mesmos é uma perspectiva de renúncias. Para se chegar ao sujeito puro devemos perder nossas ilusões.

"Sou o limite de minhas ilusões perdidas"

Filosofia da Ciência (continuação 2)

(Gaston Bachelard, de Asger Jorn, 1960)

(Idealismo Discursivo- continuação 2)

"Eu estava enganado em relação às coisas. Logo não sou aquele que julgava ser"


Bachelard defende o dinâmico em relação ao estático. O conhecimento é sempre uma tentativa de dizer o que é, mas não conseguimos fazer isso completamente. "O idealismo imediato falha ao apresentar um sujeito originalmente costituído e a idéia como um absoluto que se pode destacar pela análise". A idéia é sempre solidária de correlações, como dito anteriormente. A partir de um conhecimento imediato e primeiro, nós podemos constituir o conhecimento, mas nunca poderemos falar totalmente o que é esse real. Não é o real que será conhecido e sim a realização. O objeto é realizado, ou seja, ele passa por um processo de objetivação. E é esse processo que, afinal, nós conhecemos. A idéia, para Bachelard, corresponde a uma modificação espiritual, uma transformação do ser que procede por eliminação: "Em toda consquista há um sacrifício", diz.
Assim, a grande pergunta a René Descartes é lançada: "Será possível meditar no abstrato sobre o sentido metafísico da retificação? Será possível destacar uma forma metafísica da deformação espiritual, da retificação em si, afastando toda referência ao objeto retificado?" (Lembramos, então, que Descartes diz que nós conhecemos a substância pensante independentemente do objeto exterior ao sujeito. Essa concepção, para Bachelard, é o obstáculo a ser superado). Como pode Descartes basear todo o conhecimento num princípio que se dá num instante? O erro de Descartes foi que ele quis perpetuar esse instante do cogito.
"O sujeito entendido como fator de retificação, quando põe em dúvida a vontade anterior e vê a irrealidade da realidade primeira, se reconhece como contemporâneo do segundo tempo do ser, um acréscimo de ser": através de retificações, o sujeito constrói a si próprio e também o objeto. O sujeito só toma consciência de si (só se vê como "estrutura") no processo de objetivação. O idealismo de Bachelard começa com lentidão e dor. Ficar na horizontalidade é continuar no mesmo, é não ter um momento de criação; busquemos, então, a verticalidade! "O sujeito toma assim consciência de sua força de recolhimento, de sua verdadeira solidão, de sua retração possível, de sua independência para com o dado e, consequentemente, da gratuidade do dado. Tudo o que primitivamente era dado talvez precise ser retomado, mas, pelo menos, agora, entre o dado e o recebido, há um intervalo, um tempo de reflexão e a orgulhosa atitude de recusa". O cogito cartesiano só se dá porque Descartes se retificou e sempre que enunciamos o célebre "Penso, logo existo", ele é acolhido como verdadeiro. Só que ele se dá no instante. Será que não poderíamos esclarecer o cogito na perda do próprio cogito, como proposto por Bachelard? Não será melhor refazer a retificação em nós mesmos para sentirmos o verdadeiro sentido de uma idéia?
A idéia simples não existe. Toda idéia primeira já é complexa, pois é razão e experiência (introduzimos coordenadas experimentais), da mesma forma que o processo dinâmico da objetivação oscila entre sujeito e objeto, tomando toda a alma. O apodíctico tem que se instaurar a partir do assertórico: ele não pode se impor; ele tem que partir também de experiências e retificações. A própria razão se nega, a ciência sofre abalos nos quais a história de objetividade de uma idéia ultrapassará a história de objetividade de outra idéia, e assim por diante. Se a idéia possuí uma historicidade, ela já não é simples. Para Descartes, só há ciência quando partimos de idéias simples para depois deduzirmos o resto.
"O que nos enriquece quando retificamos nossas primeiras ilusões, quando deixamos o reino das aparências, talvez seja apenas um domínio deserto e indeterminado. Mas a servidão empírica foi abolida. O espírito experimenta sua independência em relação à experiência. Quando tomo consciência de meu erro objetivo, tomo consciência de minha liberdade de orientação. (...) Eu estava enganado em relação às coisas. Logo não sou aquele que julgava ser. (...) Mas, uma vez corrigido, esse erro objetivo fornece o plano de uma construção íntima que interessa ao próprio sujeito. Ao viver a retificação objetiva do conhecimento, o sujeito tem a revelação de sua própria força e da possibilidade de um devir espiritual". Não apreendemos isso tudo numa intuição (impulsiva) como disse Descartes: o conhecimento é reflexivo, ele vai por etapas; "pensa destruindo"; refletir é pegar o conhecimento anterior e retificar, juntando isso tudo à lembrança das estagnações passadas. Um erro é, assim, reconhecido; e então o cogito se distingue. Ele não se confirma por si, funcionando no vazio.
"A meditação metafísica deve começar com paciência, com longa disciplina, a esclarecer o ser na perda do ser, numa espécie de cogito negativo, num pensamento que se abstrai, num pensamento que se recusa, que insiste em diminuir".