terça-feira, 29 de abril de 2008

Para ler em um minuto...

...e pensar durante um bom tempo...



"Só sei que nada sei"
(Sócrates)

Não há filosofia sem uma confissão inaugural de ignorância.



...Quem dá o pontapé inicial?

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Labor, trabalho e ação

A "vita activa". Uma expressão que designa as três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. Para os gregos a "vita activa" é algo que nenhum humano pode se libertar totalmente, sendo que a ação é a atividade mais nobre que um homem pode realizar, servindo como um meio para a "vita contemplativa" (que tem como virtude intelectual a "episteme"- o conhecimento verdadeiro- e tem como fim a "theoría"), ambas representando a excelência e perfeição humanas (areté). Daí, podemos estabelecer a relação entre teoria e prática (theoría e práxis), antes porém é conveniente definir as três atividades e suas respectivas condições, que de uma certa forma "prendem" o homem na Terra (em maior ou menor intensidade).
O labor é a atividade que existe para produzir tudo que é vital ao homem, onde ele (aqui tratado como animal laborans) retira da natureza tudo que é necessário para a manutenção da vida, mostrando o caráter biológico dessa atividade ligada ao naturalismo radical do ser humano. Sem o labor não existe "vita contemplativa", trabalho e ação, pois, por mais que seja um ciclo repetitivo de "labuta, consumo e regeneração para novamente labutar", ele tem como condição humana a própria vida. Ele é um ciclo incessante: enquanto há vida, há labor. Ele "produz" bens necessários para o desenvolvimento biológico do homem (bens de consumo) e está vinculado à conservação da espécie e da vida enquanto tal, sendo que esta atividade é a que mais nos aproxima dos animais.
O trabalho é a atividade de transformação da natureza, onde o homem é tratado como homo faber (fabricador), e tem como virtude intelectual a "techné" (capacidade raciocinada de produzir, inteligência produtora, técnica). O trabalho produz um mundo artificial entre o homem e a natureza: os objetos de uso, a poiésis (obra) que continua na Terra, estabelecendo uma morada para o homem. O criador morre e a obra vive: os objetos do trabalho possuem durabilidade, objetividade, reversibilidade, além de permanência à futilidade humana. Essa reificação (transformação da matéria em material) tem como condição humana a mundanidade, pois estamos na Terra e nos instalamos na mesma.
A ação (no sentido de práxis- prática política) é a casa da política e atividade mais nobre que um homem pode exercer. O animal socialis, através da "phronésis" (que é a capacidade de julgar numa dada situação, além de ser uma virtude centrada no conceito de bem), age tendo como fim a própria ação. O animal socialis (o zoon politikon de Aristóteles) visa o bem da comunidade, busca o exercício das virtudes, seu próprio aperfeiçoamento e, consequentemente, a felicidade. A ação é a única que se realiza entre os homens sem a necessidade da matéria, possuindo um veículo que é fruto do logos (razão): a palavra. A condição humana para a ação é a pluralidade: não podemos ser um, temos que ser muitos, o homem não foi feito para o isolamento e não existe uma ação isolada. A ação tem um começo determinado, mas nunca possuí um fim previsível e é irreversível. Imprevisibilidade e irreversibilidade: características estas que o homem tenta superar, ou pelo menos amenizar, através do contrato e do perdão, respectivamente.
A relação entre "theoría" (vita contemplativa) e "práxis" (ação) é mais íntima do que imaginamos. "O homo faber é o único que é senhor tanto da natureza quanto de si mesmo". Essa passagem evidencia uma crítica da filósofa alemã Hannah Arendt ao tecno-cientificismo e sua sociedade, na qual há um esvaziamento da política e desvalorização da ação. Num mundo onde labor e trabalho se confundem (fazendo com que a lógica capitalista e seus "objetos de consumo" se tornem poderosíssimos) o maior sonho do homem é construir uma techné da práxis, uma ciência política e assim poder prever suas ações e, caso erre (as chances diminuem), poder revertê-las. No mínimo podemos dizer que nossa espécie é um tanto ambiciosa e que talvez esse seja o grande motivo por de trás do imaginário da construção de uma "máquina do tempo", sonho que talvez não seja possível (será?), mas que habita a mente de muitas pessoas.

"O homem não pode voltar atrás com suas ações"
"Logos e ação (theoría e práxis): eis o homem que age com sabedoria"

"Não haveria labor sem vida"
"Não haveria trabalho sem mundo"
"Não haveria ação sem pluralidade"

Poderia o homem, fugindo da Terra, mudar a condição humana?

A importância da guerra das palavras

"O instrumento da política é a palavra". Essa afirmação sugere a íntima ligação entre a política e a própria essência humana, pois o homem é dotado de logos que, por definição difícil de se chegar, é a palavra, a razão, o discurso, ou seja, a capacidade de representação. A política, por sua vez, diz respeito a todos os procedimentos relativos à pólis (cidade-Estado, modelo de cidade na qual a vida pública era sinônimo de liberdade e realização) sendo que ambas são frutos da razão e surgiram quando o pensamento mítico deu lugar, em maior intensidade, para a filosofia (que representou uma nova forma de ver e indagar sobre o mundo) sem deixar de existir completamente no seio do pensamento grego.
A política clássica é explicada através de um teleologismo (finalismo). A natureza nada faz em vão: aos animais a natureza deu a phoné (voz), para comunicar, e para o homem deu o logos, para argumentar. Outro ponto importante a destacar é que, para os antigos, a comunidade (koinonia) política tem precedência sobre os indivíduos que a compõem, sendo também natural, pois em essência ela é primeira (ontologicamente falando), precedendo as partes naturais que a constituem (a família e a aldeia). A pólis é o todo cuja partes são naturais, está impregnada na natureza humana e é o fim (sendo o melhor) de toda a comunidade. A visão política antiga, que perdurou com muita força até Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes, foi fundada pelo filósofo grego Aristóteles (aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande) e ainda hoje se faz atual. O que foi colocado em questão foi a famosa frase de Aristóteles "o homem é uma animal político (zoon politikon)", que traduz seu pensamento político central.
A capacidade do homem de ser político o torna forte e fraco ao mesmo tempo, assim como dependente e vulnerável, porém a política possuí uma dignidade própria: o homem fabrica a sua "casa". Não uma casa física e sim uma maneira de se colocar no mundo. Através da ação (política) não buscamos em primeiro lugar a perfeição de um mundo exterior: nós buscamos a areté (a nossa porópria perfeição, virtude e excelência). A política cria o campo do sentido no homem, a própria razão de sua liberdade. Sobretudo, não devemos confundir com politicagem, visto os escândalos na "política" brasileira e mundial.
A idéia de que o homem possuí uma "vita contemplativa" e uma "vita activa" é uma noção grega. No campo da "vita activa" temos a ação, sem a qual o homem não se realiza plenamente. Na ação política e no campo político a palavra se torna laicizada, se torna pública. Para os romanos (um doa povos mais politizados que se tem notícia) "viver" era "inter homines esse (estar entre os homens)" e "morrer" era "inter homines esse desinere (deixar de estar entre os homens)". Isso porque os homens não são somente seres de natureza (seres de physis) e, portanto, não podem ser isolados.
A política, atualmente, foi banalizada (será que totalmente?), porém seus princípios herdados de Aristóteles são, ainda, alvo de discussão em mesas redondas e praças públicas, mesmo que nem sempre seus ideais correspondam as ações ditas boas pelo filósofo (salvo, é claro, aos seus ideais relativos à escravidão- algo inaceitável para o pensamento moderno).
Afinal, qual é o remédio para que a política atual vise (realmente!) o bem comum?
É esta a guerra na qual devemos emergir: a guerra das palavras.


"A boa política é a que mais se distancia da violência"
"A política é uma criação espontânea (há controvérsias!) e necessária"
"O homem não atinge sua felicidade sem estar no seio da comunidade"
"Sem a linguagem o homem não transmitiria suas idéias e não agiria politicamente"
"O objetivo da pólis é de cunho moral e ético"
"A felicidade é uma grande virtude, por isso a pólis deve ser virtuosa"
"A ética e a política não são para bestas nem para deuses"